Coloquio

Edición Nº56 - Diciembre 2021

Ed. Nº56: Zygmunt Turkow, um encenador yiddish no brasil

Por Thiago Herzog

Ele, embora valorizasse bastante o teatro judaico, ao maravilhar-se com as transformações trazidas pela modernidade teatral, principalmente russa, foi à União Soviética aprender, diretamente na fonte, os métodos daquele teatro. Esse encenador estagiou no Teatro de Arte de Moscou, fez curso de direção com o ator, crítico e diretor de cinema e teatro russo Boris Sergeevich Glagolin (1879-1948), estudou artes cênicas junto ao Habima e ao Goset, as companhias estatais soviéticas de teatro hebraico e yiddish, respectivamente, e, ainda, se aprofundou nos métodos dos Agit-Prop, teatro soviético de propaganda política.

Sua formação artística inicial foi forjada em uma escola de arte dramática polonesa, o Curso Dramático-Vocal de Helena Józefa Hryniewiecka, o mais importante do período, e com o Grupo Cultural Hazamir, dirigido por David Herman, que se preocupava em produzir um teatro yiddish de arte, tendo estreado como ator em 1921, em uma montagem em yiddish de Salomé, de Oscar Wilde, com o Grupo de Vilno.


Construiu ao longo de sua carreira um particular trabalho, que procurava dar equilíbrio a modelos de encenação aparentemente contraditórios – os métodos de Stanislávski e de Meyerhold, o tradicional teatro judeu e o cosmopolitismo dos trabalhos ditos “de arte” (no Brasil chamamos de moderno) e as formas de alta qualidade artística e suas ideias de esquerda. 


Na sétima arte, Turkow implantou métodos naturalistas de interpretação nos cinemas polonês e yiddish, em contraponto com as formas francesas e germânicas, bastante teatralizadas na época. Estudou sonorização na Alemanha, também tendo trabalhado em Berlim com cinema.


Ele era extremamente preocupado com a compreensão da experiência particular do teatro no “jargão”, o que pode ser comprovado pela sua procura em traduzir peças modernas não-judias, em modernizar textos tradicionais e, ainda, pela fundação de um museu em homenagem a esta produção cênica, organizado por ele, sem deixar de ser intransigente na utilização das técnicas de encenação russas simbolistas e naturalistas para a construção da cena.


Tendo migrado para o Brasil, as contribuições de Turkow à construção de uma cena de arte no teatro yiddish e no teatro brasileiro foram fundamentais para seus desenvolvimentos, embora pouco discutidas nas pesquisas teatrais brasileiras. 


Ele aqui trabalhou junto aos amadores judeus de Recife e do Rio de Janeiro, produzindo em yiddish; junto ao Teatro de Amadores de Pernambuco, o TAP, dirigindo a que seria considerada a primeira peça moderna do teatro nordestino (e por poucos meses não foi o primeiro espetáculo brasileiro de arte, sendo a primazia dada a Vestido de noiva, encenado por Ziembinski, em dezembro de 1943), A comédia do Coração, em 1944.


Com dificuldades de adaptação e mesmo pela não aceitação por produtores nacionais, Turkow emigrou mais uma vez, e terminou seus dias e sua carreira em Israel.


Mas, mesmo indo embora, ele teve problemas, em Israel, pois os teatros com peças faladas em yiddish eram vandalizados por judeus, que queriam o fortalecimento do hebraico, com ele terminando a vida fazendo teatro em cima de caminhões com seu ZUTA, uma companhia empobrecida e itinerante de teatro hebraico, sendo vencido pelas forças externas. Além disso, não foi incluído nos manuais de história do teatro brasileiro, como se não tivesse importância para sua realização.


Por outro lado, Turkow foi o primeiro a inserir elementos cinematográficos no teatro realizado no Brasil, em A mulher sem pecado, de Nelson Rodrigues, em 1945. O primeiro a trabalhar somando um elenco de filhos da elite carioca, Os comediantes, com os negros do Teatro experimental do negro, de Abdias do Nascimento. O primeiro a dar aulas de interpretação como forma de ensaio, ensinando a interiorizar o personagem a partir do texto. Tudo isso demonstra o lastro técnico que ele deixou no Brasil ajudando a formar uma primeira geração de atores para o teatro moderno.  


Ele, ainda, trouxe diversas técnicas do teatro russo, de direção, iluminação, cenografia, interpretação etc, sendo fundamental na introdução de ensaios de mesas e do estudo prévio do texto, embora não o único. 


Em, 1944, Turkow veio para o Rio de Janeiro a convite da BIBSA e da companhia amadora Os Comediantes.


A BIBSA, juntamente com outros agrupamentos, foi um espaço fundamental de judeus vinculados a ideias de esquerda, sejam conectados ao ideário do Bund, sejam dos ligados aos partidos comunistas de alinhamento soviético. Fundada em 1915, incialmente era uma biblioteca e um clube de lazer que aos poucos foi sendo ocupada pelos royte, que foram expulsando os sionistas de seu grupo. 


O professor Jacó Guinsburg, que assistiu a ensaios de Turkow junto à BIBSA, comentou em depoimento dado a Fausto Fuser:


Mas o que me impressionou muito na época, foi o modo com que ele dirigia. Fiquei a noite toda lá, ora observando o ensaio, ora conversando com outras pessoas – era uma maneira muito calma e muito segura, extremamente segura. De um homem que conhece seu metiê, e havia também na figura dele uma certa nobreza, algo de natureza intelectual. Havia uma certa espiritualidade, eu diria, na pessoa dele. Ele se distinguia a primeira vista não só pelo fato de estar num macacão azul fazendo aquele ensaio, mas também por sua vinculação com aquilo que estava fazendo: uma familiaridade e, ao mesmo tempo, uma certa religiosidade na sua relação com aquelas ações do teatro, que surgia imediatamente na pessoa dele. Eu me lembro de uma coisa que me chamou atenção logo, foi que, embora os outros estivessem trabalhando de uma maneira tão interessada e talvez tão apaixonada quanto ele, não havia nenhuma marca especial neles. A gente sentia algo mais tosco. No caso de Turkow havia essa presença de espiritualidade. É pelo menos essa a minha maneira de entender hoje aquilo que vi então naquele homem.


Havia muita diferença entre o teatro que ele estava propondo e o que se fazia.


Claramente, nesta descrição e comentário, Guinsburg se vê surpreso com Turkow, por ele possuir características que, no Brasil, e provavelmente em todo o mundo ocidental, deveriam estar presentes nos profissionais vinculados às formas modernas, como aqui chamamos, ou de arte, da produção teatral, que apareceram com o nascimento de uma nova função: o encenador – o artista que assina o espetáculo. 


No Brasil, isso só tinha sido visto antes, com Ziembinski e Louis Jouvet, que não haviam chegado muito antes dele. 


Dessa maneira, Turkow foi, também, um judeu completamente atravessado por todos os questionamentos que as comunidades judaicas europeias viviam no período, em uma encruzilhada entre a tradição e a modernidade, entre gueto e universalidade. E seu teatro, seja em yiddish ou em não-yiddish, por conseguinte, também foi atravessado por todo esse universo nascente e pulsante. 


O judaísmo de Turkow, assim, não era de fonte religiosa ou vinculado a uma ideia de comunidade ancestral, mas sim o de pertencimento a uma comunidade étnica que podia produzir algo autêntico e cosmopolita, inspirado em uma literatura poderosa e armado nas melhores ferramentas da arte moderna dita universal. Um judeu que não tinha medo de assimilar as novidades do mundo moderno em sua trajetória, identidade e produção artística. Além disso, era de fato um militante político de esquerda, que usava seu teatro para conscientizar os espectadores.