Coloquio

Edición Nº20 - Mayo 2013

Ed. Nº20: A "Conspiração do Silêncio"

Por Anita W. Novinsky

Uma História desconhecida sobre os bandeirantes judeus no Brasil. Raposo Tavares.

Pesquisas realizadas nos últimos anos nos arquivos inquisitoriais em Portugal trouxeram informações surpreendentes sobre a história dos judeus sefaraditas (conversos, cristãos novos, marranos) no Brasil, fatos e episódios que eram completamente desconhecidos até recente data. Ilustres historiadores brasileiros e estrangeiros, sem acesso às riquíssimas fontes inquisitoriais – que foram secretas durante os três séculos em que funcionaram os Tribunais do Santo Ofício da Inquisição, na Península Ibérica, e que somente se tornaram disponíveis ao grande público na década de sessenta do século XX – desconheciam importantes acontecimentos que ocorreram na sociedade colonial. As novas pesquisas realizadas nas ultimas décadas vêm mudar fundamentalmente determinadas interpretações da história do Brasil e também da história judaica.

Neste artigo vou retomar a questão dos bandeirantes paulistas, tão magistralmente tratada pelo renomado historiador português Jaime Cortesão (Cortesão, 1958) e resgatar um personagem a quem devemos, segundo Cortesão, a formação do território nacional: Antônio Raposo Tavares. Foi um revolucionário e um explorador, um político e um idealista, e na história dos descobridores, segundo seu biógrafo, não teve quem o superasse. (Ibid.)

Toda vida de Antônio Raposo Tavares está envolta em mistérios e talvez nunca tenhamos elementos para dissecá-los. Entretanto, as novas pesquisas genealógicas contribuíram para esclarecer alguns pontos obscuros na história do bandeirismo dos quais o mais importante foi a revelação de que Antônio Raposo Tavares e seus companheiros nas Bandeiras eram judeus (Salvador, 1976). Esse fato vem mudar várias interpretações que havia sobre o conflito entre paulistas e jesuítas e nos permite hoje entender melhor a motivação que levou os bandeirantes paulistas a um ódio feroz contra as Missões da Companhia de Jesus.

A historiografia clássica sobre as bandeiras atribuiu a fúria devastadora com que os bandeirantes atacaram as Reduções jesuíticas às motivações econômicas e rivalidades na posse dos índios. Que interesses econômicos tenham feito parte dos planos dos bandeirantes é bem compreensível, mas os documentos mostram que existia uma razão ideológica muito forte que influiu nessa guerra sangrenta. Em 1628, Raposo Tavares acompanhado de seu séquito de bandeirantes iniciaram os ataques às Reduções e gradativamente as foram destruindo. Expulsaram os jesuítas do Paraná e fizeram recuar a expansão castelhana. Em três anos as bandeiras completaram a destruição de Guairá e apossaram-se da terra que foi incorporada ao Brasil. Raposo Tavares tinha se lançado contra os jesuítas com a determinação de destruir-lhes as aldeias e matá-los todos. A destruição das missões jesuíticas arrasavam as cidades e vilas, deixando-as vazias de índios e desabitadas. Os paulistas destruíam suas igrejas e quebravam todas as imagens sagradas.

Afinal, quem foi esse violento jovem judeu alentejano que, aos 18 anos, se aventurou para o Novo Mundo e se tornou nas palavras de Júlio Mesquita Filho o “herói de uma das mais famosas façanhas de que guarda memória a história da humanidade”. O Barão do Rio Branco compreendeu a grandeza de Raposo Tavares e o ergueu à altura do iniciador e principal idealizador da política geográfica de expansão do Brasil para sudoeste. E Washington Luiz ratifica e amplia a biografia do grande dilatador do território brasileiro. (Cortesão, 1958).

Como se explica a guerra sangrenta liderada por Antônio Raposo Tavares contra os irmãos da Companhia de Jesus? Interesses econômicos levariam a tão longo ódio e ferocidade?

Jaime Cortesão foi o primeiro autor que relacionou o fenômeno das Bandeiras com o Santo Ofício da Inquisição e nos apresenta Raposo Tavares como um lutador contra a opressão e a teocracia dos jesuítas, defendendo a liberdade de cada homem de resistir a uma religião imposta pela força. (Cortesão, 1958).

Já mostrei em trabalho anterior que os jesuítas foram no Brasil os principais agentes da Inquisição portuguesa. No Colégio da Companhia de Jesus era armada a Mesa Inquisitorial para se executar as ordens dos Inquisidores e arguir os suspeitos de heresia; toda correspondência secreta dos Inquisidores era enviada de Lisboa para o Provincial ou na sua ausência para o Reitor do Colégio. (Novinsky, 1992) Na América, a Inquisição de Lima agia com uma ferocidade maior que na Espanha. Os jesuítas das Missões estavam vinculados à Inquisição de Lima e a serviram como seus Comissários. Eram incumbidos de perseguir e prender os Bandeirantes judeus, que eram acusados dos mais horrendos crimes. A meu ver, fortes razões que levaram a violência dos bandeirantes contra os jesuítas devem ser buscadas nas ações do Tribunal da Inquisição de Lima.

Raposo Tavares foi criado pela segunda esposa de seu pai, sua madrasta Maria da Costa, cristã nova, cripto judia e fervorosa praticante da religião judaica, que presa pela Inquisição junto com uma parte da família, ficou reduzida à miséria depois de passar seis anos nos cárceres do Santo Ofício (Processo Inquisitorial 11992). Raposo Tavares conhecia pessoalmente todas as cerimônias judaicas porque Maria da Costa na confissão perante o Inquisidor refere-se a todas tradições que seguia em sua casa.

Os jesuítas enviavam anualmente cartas para a Espanha, sobre os crimes dos bandeirantes, queixando-se que os matavam impiedosamente. Criaram em torno dos paulistas uma “lenda negra” baseada em falsas provas.

O líder do antissemitismo na América Espanhola foi o padre Antônio Ruiz de Montoya, que inventou todo tipo de calunias contra os judeus e denunciou ao Rei, ser Raposo Tavares o principal autor da destruição das Missões do Paraguai e de ter levado seu atrevimento até entrar na jurisdição do porto de Buenos Aires. Quando foi a Madri como Procurador da Província Jesuítica do Paraguai, encarregado de pedir auxílio para acabar com os ataques dos bandeirantes contra as Reduções, Montoya conseguiu obter de Felipe IV a Cédula de 16 de setembro de 1639, na qual os bandeirantes eram condenados a perder bens e vida, e acaba ordenando que fossem julgados pelo Tribunal do Santo Ofício, pelos Inquisidores, Comissários, Ministros, “por la experiência que dotras cosas tienem”. (Cortesão, 1958 p.35).

As Bandeiras foram um levante político, militar e revolucionário, tendo destruído Guairá, Itatim e Tape. Os bandeirantes consideravam-se poderosos, faziam despachos sem autorização, nomeavam Capitães Mor e oficiais de guerra, levantavam bandeira e formavam verdadeiros exércitos, de quatrocentos portugueses e 2000 índios, entrando armados no Paraguai (Cortesão, 1958 p. 35-36). O monarca Felipe IV considerou a situação muito grave, temeroso que os paulistas chegassem a Potosí. Ante tão sérias ameaças, ordenou que se proibissem os paulistas de cativarem índios, sob pena de morte. E todos que servissem e ajudassem as Bandeiras, com dinheiro, armas e munições, seriam punidos da mesma forma ou seriam expulsos de todo estado do Brasil.

Mesmo sendo uma guerra de interesses materiais, vingança e ódio, a questão religiosa era evocada, pois os bandeirantes paulistas eram acusados de cometer vários delitos contra a religião cristã, razão pela qual deviam ser entregues à Inquisição. O “segredo” que foi o modelo de funcionamento seguido pelo Tribunal, também é evocado na Cédula Real: “os bandeirantes judeus deviam ser entregues “secretamente” para o Santo Ofício”. O padre Montoya, quando em Madri, pede ao Rei que “abra os olhos” para ver o que preparavam os portugueses.

Os jesuítas, desde o inicio das invasões, sabiam perfeitamente que os paulistas eram cristãos novos e os acusavam de ser judaizantes. Os documentos oficiais, das Comarcas, e os testamentos, raramente empregam o termo “cristãos novos” ou “judeus”, pois a sociedade, tanto em Portugal como nas colônias viviam a “cultura do segredo”. Desde o estabelecimento do Tribunal do Santo Oficio em Portugal falar era perigoso e as pessoas se autocensuravam durante as conversações na própria família. O Padre Antônio Vieira, por exemplo, foi denunciado à Inquisição por um companheiro jesuíta.

Na carta enviada à sua Majestade, Rei Felipe IV da Espanha, em 12 de junho de 1632, por Francisco Vasques Trujillo, também vem claramente apontada a origem judaica e o cripto judaísmo dos paulistas: “judeus encobertos”, “falsos cristãos “ (Anais do Museu Paulista, S. Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1949, vol. XVIII, pp. 310-4). Os jesuítas lembravam sempre que os paulistas eram judeus secretos, “eram cristãos e agiam como judeus” e que todos estavam “infeccionados de Judaísmo”.
Também o Padre Nicolas Duran, em 1627, escreve ao Padre Francisco Crespo, de Guairá, que a população de São Paulo era constituída de um lado de hereges e de outro de judeus. Refere-se, de um lado, aos paulistas cristãos novos descrentes e blasfemos e, de outro, os que faziam secretamente as cerimônias judaicas.

O maior inimigo dos judeus, o Padre Antônio Ruiz de Montoya, chamado o “Apostolo de Guairá”, dizia que os paulistas eram autênticos aliados de Satanás, e que o Diabo intervinha a cada passo junto aos índios, usando vários disfarces para desviá-los da Fé. Os bandeirantes além de judeus e diabos eram chamados, ainda nos séculos seguintes, nas crônicas jesuíticas de corsários, piratas, bandidos, facínoras, bestas, feras. Historiadores sul americanos, até hoje, referem-se, da mesma maneira, aos crimes desses chamados “monstros”. Diz Jaime Cortesão que as fontes jesuíticas não são fidedignas. Também Basílio de Magalhães, Alfredo Ellis Junior, Júlio Mesquita Filho, discordam da história que aceita, sem discussão, as fontes de origem jesuítica, que eram manipuladas conforme os fins que estes desejavam alcançar (Cortesão, 1958, p26). Montoya queria que os paulistas fossem julgados exclusivamente pela Inquisição. Ensinava os índios a odiar os bandeirantes. A iconografia das Missões mostrava Satanás bandeirantes, um barbudo, tipo bem paulista, agitando as asas. (Cortesão, 1958, p.38.)

Os jesuítas espanhóis acreditavam piamente e repetiam que os paulistas judeus tinham aliança com o Demônio. Em 1639, no auge da expansão do bandeirismo, o Superior da Redução do Uruguai e Comissário do Santo Ofício de Lima, Padre Diogo de Alfaro que odiava os portugueses chegou, da parte da Inquisição, com a incumbência de prender Raposo Tavares e entregá-lo à Inquisição. Os bandeirantes mataram o Comissário.

Quando Montoya foi à Espanha reclamar contra os paulistas bandeirantes e pedir que tomassem providências militares para impedi-los de destruir as Reduções, publicou um livro, Conquista Espiritual que, segundo Cortesão, é um livro de propaganda e tendencioso, cujas ideias foram utilizadas e aceitas pelos historiadores nacionais e estrangeiros.

Jaime Cortesão chama atenção para o “mistério” que ronda a vida de Raposo Tavares e que ele chama de “conspiração do silêncio”. Em torno de seu nome fez-se um silêncio absoluto, pois este não aparece nas Atas da Comarca de São Paulo entre 1642 e 1648. Em abril de 1642, Raposo Tavares recebeu os vereadores moradores na vila de São Paulo que lhe passaram uma Procuração, delegando-lhe poderes gerais para responder em toda Capitania, em todo Brasil, no Reino de Portugal, ou onde fosse necessário.

Cortesão não esclarece muito o que tratava essa Procuração, mas o mais misterioso é: onde esteve Raposo Tavares entre 1642 e 1648? Não existe nenhuma documentação que se refira a ele, apenas uma que fala na sua volta em 1647. Os documentos do Conselho de Guerra, do Conselho Ultramarino, a correspondência do Rei e de outras autoridades, não mencionam absolutamente nada sobre Raposo Tavares neste período. Será que acompanhou a comitiva de seu grande amigo Conde de Monsanto, que foi nomeado embaixador extraordinário na Corte de França? Penso que talvez tenha ido à Holanda. Ou ficou em Portugal? Talvez tenha encontrado sua família presa ou “reconciliada”? Ou será que alcançou o Peru? Há varias suposições. Nenhuma comprovação.

Uma afirmação fundamentalmente importante para este trabalho: Jaime Cortesão afirma categoricamente ser falsa a proclamação dos historiadores de que os jesuítas defendiam a liberdade dos índios em nome de direitos humanos. São falsas também as alegações de que os bandeirantes eram bandoleiros e impiedosos, pois sua generosidade e capacidade de sacrifício contradizem essas falsas alegações. Cortesão considera que os jesuítas forjaram os crimes dos bandeirantes.

O fanatismo e as superstições dos jesuítas foram combatidos pelos paulistas, iconoclastas e descrentes que reprovavam os dogmas da Igreja. Educado até os dezoito anos no Judaísmo, Raposo Tavares representou a essência do espírito dos cristãos novos, já manifestado tantas vezes em pensadores marranos. Foi acusado de não dar extrema unção aos que morriam e de não levar padres nas bandeiras, mas não creio que isto tenha sido regra, pois havia muitos conversos entre o clero português, com várias práticas sincréticas.

Não creio que a maioria dos bandeirantes fosse judaizante. Hostilizavam a Igreja que identificavam com a Inquisição. Espalhados pelo Brasil tinham pouco interesse pela religião. Muitos mantiveram a identidade judaica, a memória do que lhe contavam seus pais e avós. Mesmo indiferentes a qualquer prática religiosa, pequenos vestígios do Judaísmo permaneceram em seus costumes. Assemelhavam-se aos judeus modernos – “judeus sem religião”.

Apesar das fontes jesuíticas não serem consideradas fidedignas, muitos historiadores se basearam nelas para escrever sobre esse período. O famoso Capistrano de Abreu, diz Cortesão, formou suas opiniões sobre os bandeirantes e brasileiros usando os tendenciosos e falsos textos dos jesuítas.

Os jesuítas não formavam um bloco uniforme politicamente nem partilhavam todos das mesmas ideias. Os jesuítas portugueses, por exemplo, eram suspeitos aos olhos de seus irmãos inacianos espanhóis e havia ordem do rei para que fossem presos, pois fomentavam e participavam das Entradas dos paulistas. Também entre os jesuítas castelhanos havia os simpatizantes com os bandeirantes e seus ideais. Para compreender essas divisões, não podemos esquecer que muitos cristãos novos portugueses entraram para a Companhia de Jesus no primeiro século de sua existência. Pertencer à Igreja trazia uma certa segurança contra a Inquisição. A Companhia de Jesus se tornou mais rígida na aplicação dos “estatutos de limpeza de sangue” a partir do final do século XVI, pressionada por outras ordens religiosas. Tornou-se elitista e racista, só permitindo a entrada na Ordem aos “puros de sangue” (Lima, 2008). Como a sociedade vivia a “cultura do segredo”, é difícil conhecer a dimensão do Judaísmo mantido pelos bandeirantes.

Raposo Tavares devia ser entregue à Inquisição. Felipe IV despachou uma carta ao Vice Rei do Brasil para que executasse suas ordens. Mas quando o Inquisidor Mor de Lisboa devia tomar as providências para executá-las, eclodiu a revolução que libertou Portugal da Espanha e as ordens de Felipe IV não foram cumpridas. O Bispo e o Inquisidor eram ligados à Companhia de Jesus e à Inquisição, violentos adversários dos bandeirantes e tomaram partido contra a independência de Portugal.

Pouco sabemos sobre a vida particular de Raposo Tavares. A intimidade de seu lar é desconhecida. Algumas atitudes que tomou durante sua vida provam seu espírito de independência e forte caráter. Entretanto, em torno de Raposo Tavares, criou-se a “conspiração do silêncio”, cuja razão não foi ate hoje compreendida. Verdadeiro explorador de um continente, Raposo foi em seu tempo totalmente ignorado. Nas obras impressas na sua época fala-se sobre sua incomparável expedição, mas não se mencionou seu nome nem de seus companheiros.

Cortesão pergunta abismado: Como se explica esse silêncio?

Conhecida a origem judaica dos bandeirantes, e o ódio que os jesuítas lhes tinham, erguem-se novas hipóteses: teria o antissemitismo da política do Estado e da Igreja influído no desprestígio que sofreu Raposo? A historiografia clássica, também sofreu influência da literatura jesuítica que intencionalmente conspirou para o silêncio que pairou sobre Raposo Tavares. Durante séculos, historiadores não falaram sobre seus feitos. Cortesão procurou demolir certos mitos e a “lenda negra” sobre os bandeirantes, inventada pelos jesuítas e aceitos pelos historiadores em geral. Os fatos que os jesuítas contam não são verdadeiros e as Cartas Anuais estão cheias de milagres e interpretações sobrenaturais. Montoya e seus companheiros estavam constantemente em combate com o demônio e demais espíritos e todos os dias anunciavam novos milagres. Contudo, não podemos generalizar o comportamento e o fanatismo dos jesuítas nem minimizar sua obra que tem aspectos construtivos e abnegados, mas há um mundo que separa a mentalidade de determinados jesuítas espanhóis da mentalidade de outros como, por exemplo, a do Padre Antônio Vieira.

A partir da conversão em Portugal de todos os judeus ao Catolicismo (1497) e do estabelecimento de uma Corte de Justiça – a Inquisição (1536), para vigiar e punir os cristãos novos suspeitos de praticarem o Judaísmo, dividiu-se a sociedade portuguesa em “puros” e “impuros”. Duas visões de mundo, duas mentalidades irreconciliáveis. Os convertidos voltaram-se cada vez mais para fora, para o mundo, para as inovações nas ciências, na Medicina, nas Letras. Muitos judeus sefaraditas, quarta e quinta geração, iniciaram uma vida de aventuras e mudaram sua concepção do mundo. Jaime Cortesão pergunta – será que o mistério do desaparecimento de Raposo Tavares não espelha as duas visões do mundo: de um lado os repressivos regimes absolutistas e da Contrarreforma, e do outro – a liberdade? Será que o espírito das Bandeiras não terá influído na formação do Brasil, que transcende o aspecto territorial?

O medo da Inquisição impôs em todo português uma autocensura e uma “cultura do segredo”. Os “puros” – fidalgos, nobres, clero, puritanos, voltam-se para o passado, interessados em preservar o Antigo Regime e seus privilégios. Estes “puros” não se aventuravam ir para a América, arriscar morrer nos naufrágios, de malária ou comido pelos índios. Quem se interessava em embarcar para o mundo desconhecido era quem não estava bem em Portugal, sempre com a vida em perigo – os cristãos novos. Segundo viajantes e testemunhos contemporâneos, três quartos da população branca do Brasil, no século XVII, era constituída de judeus. (Anita Novinsky, 1992).

Os bandeirantes judeus; Antônio Raposo Tavares, Pedro Vaz de Barros, (fundador de São Roque/São Paulo), os irmãos Fernandes (fundadores de Sorocaba/São Paulo) e tantos outros, foram, para Jaime Cortesão, desmistificadores do universo. Eram iconoclastas e no que realmente acreditavam, desconhecemos.


Raposo Tavares foi colocado no pedestal dos “homens que fizeram o Brasil”. Podemos dizer que, como todos os cristãos novos, representava, com sua avidez de liberdade, a herança dos profetas e a essência do espírito que o Judaísmo legou aos convertidos.

Antônio Raposo Tavares, descendente dos “forçados” ao Catolicismo, não consta, como judeu, em nenhum livro clássico de história do Brasil ou de história judaica. Como inimigo do Santo Ofício da Inquisição, guerrear contra os jesuítas espanhóis era lutar contra a instituição que matou milhares de cristãos novos inocentes, como escreveu o Padre Antônio Vieira.
Raposo Tavares pertence, pois à história do Brasil e à história dos judeus.
A história não lhe fez justiça, nem os seus contemporâneos. Muitos bandeirantes foram recompensados pela sua brilhante obra, alcançaram cargos, títulos, benefícios. Raposo Tavares não recebeu nenhum reconhecimento, absolutamente nenhum. Por quê? Ficou incógnito. Por quê? Representou os contestadores dos regimes de opressão e do fanatismo. Por que foi vítima da “conspiração do silêncio”?

Mas, como escreveu Jaime Cortesão: agora levanta-se a tampa de granito de um sepulcro, onde dormia um gigante.  


Bibliografia

Anais do Museu Paulista, Imprensa Nacional, São Paulo, 1949. Volume XVIII.
Cortesão, Jaime; Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil in Obras Completas, vol 9. Porto, Portugália Editora, 1958.
Introdução à História das Bandeiras. Editora Livros Horizonte, 1975.
A Colonização do Brasil, Porto, Portugália Editora, 1969.
Novinsky, Anita; Cristãos Novos na Bahia. São Paulo, Editora Perspectiva, 1992.
Processo Inquisitorial de Maria Costa no. 11992. Instituto Nacional de Arquivos Torre do Tombo, Lisboa.
Salvador, José Gonçalves; Cristãos Novos. Povoamento e Conquista do solo Brasileiro. São Paulo, Editora Pioneira, 1976.
Santos, Robson Luiz Lima; O Antissemitismo na Companhia de Jesus. Tese doutorado defendida no Departamento de História da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.