Coloquio

Edición Nº22 - Septiembre 2013

Ed. Nº22: O esfacelamento do Oriente Médio

Por Samuel Feldberg

Uma visão israelense

Abstract

The Middle East is in turmoil. An Intifada is in course in Egypt against the democratically elected president that represents the Moslem Brotherhood; Syria is undergoing a civil war that has lasted two years, killed 60,000 of its citizens and sent millions of refugees across its borders; Iran is suffering from severe sanctions but did not abandon its nuclear enrichment plan. Surrounded by this environment, Israel is dealing with its divided Palestinian neighbours, through a shift to the right, and the adoption of policies that don’t promisse any solution in the near future. A research period in Israel at the begining of 2013, permitted the author to look at these developments, as viewed by Israel’s analysts and society.

UM NOVO ORIENTE MÉDIO

Aproximadamente cem anos se passaram desde que o Oriente Médio embarcou em um processo que deveria ter criado sociedades modernas e estados laicos independentes. Com o colapso do Império Otomano, os novos desafios concretizaram-se através das divisões criadas pelo Acordo Sykes-Picot e os mandatos inglês e francês impostos sobre a região, em uma era de grande efervecência política, durante a qual se criaram muitas das instituições que poderiam ter mudado a estrutura do mundo árabe. Mas após a Segunda Guerra Mundial, eliminados os obstáculos do poder otomano e do domínio europeu, a onda de independência não foi capaz de trazer os almejados resultados. Na maioria dos novos países as instituições democráticas, ou foram radicalmente substituídas por governos totalitários, ou desvaneceram-se em pouco tempo e as ilusões de igualdade e união nacional deram lugar ao domínio de grupos sectários que tomaram o poder. Assim, em países frágeis como o Líbano, os indícios de desintegração tornaram-se mais claros já em 1958, levando à eclosão de uma guerra civil em 1975, enquanto na Síria e no Iraque ditaduras impiedosas mantiveram uma minoria no poder até que fossem desalojadas, em sangrentos confrontos que se estendem até o momento.

A chamada primavera árabe, denominação rapidamente alterada, baseou-se na tentativa de parte da população urbana de reviver o espírito do início do século passado com demandas de liberdade, união nacional, direitos civis, democracia e progresso econômico. Mas mostraram-se mais fortes as expressões de etnicidade e tribalismo; no Iraque a retirada norteamericana permitiu que uma facção xiita eliminasse seus opositores consolidando-se no poder e levando o país mais uma vez à beira da guerra civil. Na Síria, o governo de Assad, supostamente baseado nos princípios baathistas de unidade, liberdade e socialismo promove um massacre digno de sua herança paterna, numa tentativa de manter-se no poder com o apoio do Irã e seus aliados do Hizballah. E a oposição síria, inicialmente engajada em uma luta para promover uma nova era de democracia pluralista, vê-se após dois anos envolvida numa luta que pode levar ao poder grupos jihadistas radicais que podem fazer a Irmandade Muçulmana parecer moderada. Na Tunísia, pioneira desta onda de revoltas, o líder da oposição acaba de ser assassinado, gerando uma nova onda de protestos; e no Egito, onde a ditadura militar de mais de meio século foi substituída por um governo democraticamente eleito, as multidões voltaram às ruas para protestar contra as tentativas da Irmandade Muçulmana de implementar mudanças constitucionais que os perpetuariam no poder.

A caracterização dos protestos como uma “primavera” nada tem a ver com a estação do ano e sim com as expectativas de remoção de ditadores há décadas no poder, nos moldes da “Primavera de Praga” de 1968, ou da derrubada do comunismo na Europa no final dos anos 1980. Alguns analistas assumiram que no início os movimentos islâmicos manter-se-iam à margem, permitindo aos jovens dos grupos seculares, apoiados por tecnologias de telefones celulares, twitters e facebook tomar as rédeas e colher os frutos dos protestos. Mas os resultados não poderiam ter sido mais diferentes; em todos os países onde ocorreram eleições livres, os islamistas as venceram. No Egito, o mais importante dos países árabes, a vitória foi total, demonstrando sua capacidade de organização, assim como na Tunísia, no Marrocos e no Kuwait. E na Líbia, onde um conflito sangrento derrubou a ditadura e levou à divisão do país de volta a sua composição original, os islamistas também tem tido um papel preponderante1.

As revoluções demonstraram, portanto, a extrema fragilidade de importantes estados árabes; com exceção de alguns com população homogênea e fortes raízes históricas como o Egito, a maioria destes países foi artificialmente constituída pelas potências coloniais, que combinaram diversos grupos étnicos em um território comum, dominados por governos autoritários e tendo em comum um inimigo externo. A revolta pode ser vista como uma segunda etapa do processo de descolonização, com demandas por auto-determinação por parte daquelas populações que estiveram dominadas no período anterior. E, se tomarmos os curdos como um claro exemplo do passado, podemos vislumbrar o que poderá se tornar o padrão em países como a Líbia, a Síria e o Líbano: assim como os curdos ficaram divididos quando da criação dos estados nacionais na região, entre o Irã, a Síria, o Iraque e a Turquia, também os grupos étnicos hoje presentes nos países em conflito poderão tornar-se reféns de soluções baseadas nos resultados militares das atuais disputas. Os próprios curdos no Iraque viram na queda de Saddam Hussein a oportunidade de obter, depois de séculos, a tão almejada independência, e no vácuo de poder que se criou instituíram um governo autônomo no norte do país, rico em petróleo e relativamente isolado de sunitas e xiitas. Na Síria, as milícias curdas mantiveram-se à margem do conflito mas preparam-se para o momento em que deixe de existir o governo central, para temor do governo turco, que vê em todos estes movimentos uma séria ameaça ao controle do enclave curdo em seu território. No Líbano, finalmente, percebe-se a influência dos eventos que ocorrem na Síria, tanto pela percepção de um possível enfraquecimento do Hizballah, quanto pelo envolvimento direto de potências regionais externas como o Irã e Israel. Na sequência, analisaremos em profundidade os casos mais relevantes.

A crise na Síria

A onda de revoluções que afetou o Oriente Médio, de Gibraltar até o Golfo Pérsico, chegou à Síria em março de 2011. As manifestações contra o governo de Bashar el-Assad iniciaram-se na periferia do país e logo atingiram as principais cidades de Aleppo e Damasco. Ignorando os resultados do que havia ocorrido nas vizinhanças, o governo de Assad reprimiu com violência os protestos que se intensificaram e envolveram grandes parcelas da população, dividida agora segundo seus componentes mais básicos: grupos étnicos, tribos e clãs. O governo, controlado pela minoria allawita desde o golpe que colocou no poder o pai do atual ditador há mais de quarenta anos, continua apoiado por grupos de interesse como as classes média e alta nas grandes cidades, os cristãos e outras minorias, frente à maioria sunita que se rebelou, respaldada por grupos militantes jihadistas; estes possuem o conhecimento e a experiência necessários para enfrentar as forças armadas sírias, numa guerra assimétrica que há muito se tornou padrão na região. Em poucos meses, com o apoio de grupos de desertores das forças armadas, formou-se o Exército Sírio Livre, com seu comando baseado em território turco, e apoiado pelos principais países sunitas que veem na revolta síria um confronto entre as influencias xiita e sunita na região.

Do ponto de vista israelense a Síria representa um dilema: ao longo dos últimos quarenta anos, a estabilidade do governo sírio representou uma vantagem estratégica para Israel, apesar da eclosão esporádica de conflitos entre os dois países; o governo sírio reconhecia a supremacia israelense e manteve limitados os poucos confrontos que ocorreram. A fronteira no Golan manteve-se calma, mesmo durante os enfrentamentos diretos no Líbano, e a Síria não reagiu ao bombardeio de suas instalações nucleares em 20072. Agora, apesar da possibilidade de romperse o tripé que une o Irã, a Síria e o Hizballah, a eliminação de um regime estável na Síria implica o risco da infiltração da região da fronteira por elementos inspirados ou apoiados pelo al-Qaeda, transformando o Golan numa nova península do Sinai pós-Mubarak.

Do ponto de vista estratégico, a maior preocupação no atual estágio relaciona-se ao arsenal de armas químicas de posse dos sírios e dos avançados mísseis anti-aéreos e de longo alcance, que poderiam ser transferidos para o Hizballah no Líbano ou cair nas mãos de grupos jihadistas sunitas. A força aérea israelense já atacou nas últimas semanas um comboio que se dirigia em direção à fronteira libanesa, destruindo um lote de mísseis anti-aéreos que poderiam ameaçar a sua capacidade de atuar nos céus do Líbano; tanto israelenses quanto norteamericanos deixaram claro ao governo de Assad que a preparação para utilização dos arsenais químicos não seria tolerada, numa clara ameaça de intervenção direta no conflito. A maioria dos analistas acredita que o equilíbrio de forças existente na Síria, sem intervenção externa direta mas com claro apoio logístico e financeiro a ambos os lados, permitirá a continuidade do confronto por um longo período, por um lado perturbando o funcionamento do eixo xiita, por outro impedindo que grupos islâmicos radicais tomem o poder.

Seja qual for o destino do governo sírio – sua manutenção precária em bolsões de território ou sua substituição por uma nova configuração de poder – o papel da Síria será limitado no novo mosaico que se estabelece no Oriente Médio. Em seu território a Irmandade Muçulmana terá liberdade para atuar como nunca antes, e grupos jihadistas provavelmente encontrarão um santuário durante o período de instabilidade. Quanto aos efeitos que estes eventos terão sobre as relações com Israel, cenários estão sendo desenhados, apostas estão sendo feitas e todas as fichas estão na mesa.

ISRAEL E O HAMAS

À margem da revolta nos países árabes, os eventos mais marcantes na região referem-se às relações entre Israel e seus vizinhos palestinos. Nos últimos meses, um novo confronto eclodiu entre o Hamas e as forças armadas de Israel, a Autoridade Palestina obteve o reconhecimento de estado observador nas Nações Unidas e a direita israelense venceu as últimas eleições reagindo de forma brutal às iniciativas palestinas. Analisemos cronologicamente este período.

O enfrentamento entre Israel e o Hamas em novembro de 2012 representa nada mais que um novo capítulo de uma relação traumática que já dura 25 anos. No final de 2008 os israelenses reagiram a uma leva de foguetes lançados pelo Hamas a partir da Faixa de Gaza com uma grande operação, que incluiu a entrada da infantaria e blindados no território, com um enorme custo de vidas, especialmente entre a população civil palestina, em muitos caso sutilizada como escudo pelos militantes islâmicos. Mais uma vez, o não-declarado objetivo israelense era o de estabelecer uma dissuasão de longo prazo e não o de eliminar o governo do Hamas, ainda que a realização pelos israelenses de assassinatos seletivos tenha tido um efeito fundamental no confronto.

Agora, a decisão de atacar o Hamas teve de ser tomada sob a influência dos acontecimentos na região, especialmente a ascensão de um novo governo no Egito, pelo menos em princípio alinhado com o Hamas, já que este é considerado um “filhote” da Irmandade Muçulmana; a possibilidade de alguma instabilidade no Líbano; a necessidade do Hamas de retirar sua liderança no exílio de Damasco e as limitações no acesso a recursos do Irã. Todos estes elementos permitiram aos israelenses restringir seus objetivos, evitando assim uma operação das forças terrestres. Se a decisão foi acertada, será determinado no futuro próximo, uma vez que se possam avaliar as consequências sobre o Hamas de sua transição para a esfera de influência de países considerados moderados como a Arábia Saudita, ou limitados por suas relações com os Estados Unidos, como o Egito e a Turquia. Também neste confronto, denominado Pilar de Defesa, os objetivos israelenses foram declaradamente limitados: eliminar a capacidade do Hamas e outras organizações em Gaza de lançar foguetes de longo alcance, obtidos do Irã e capazes de atingir grandes centros urbanos, inclusive Tel Aviv e Jerusalém como efetivamente ocorreu, evitar que os habitantes do sul de Israel tivessem que voltar repetidamente aos abrigos anti-aéreos permitindo um retorno a uma rotina normal, e transmitir a mensagem de que uma volta ao confronto teria um preço muito mais alto. A decisão de realizar uma operação limitada pode ser analisada a partir de três vetores:

• A percepção de fragilidade do Hamas permitiria colher os frutos de uma incursão aérea que eliminasse os foguetes de longo alcance, dando também ao Hamas a possibilidade de emergir do conflito como vitorioso frente a um inimigo infinitamente mais poderoso.
• Uma operação de grande alcance exigiria uma invasão terrestre, nos moldes da realizada no auge da 2a. Intifada, implicando na substituição do Hamas por outro grupo, certamente incapaz de controlar o território, ou a re-ocupação indefinida por tropas israelenses.
• O resultado da operação certamente afetaria a campanha eleitoral israelense, de forma positiva ou negativa dependendo de sua duração, seu resultado e o número de baixas entre os soldados israelenses.


Os israelenses tiveram ainda que levar em conta que, se no confronto anterior o Egito via no Hamas um inimigo potencial, a nova liderança egípcia acompanharia de perto a intensidade da reação israelense. Também a Turquia, que já demonstrou no episódio do navio Mevi Marmara suas diferenças com Israel em relação ao Hamas, poderia reagir se considerasse que estava sendo empregada força desproporcional. E ainda que o Hamas seja um caso excepcional, de um grupo sunita sendo apoiado pelo Irã xiita, com sua liderança no exílio até recentemente protegida pelo governo allawita de Assad, sua posição tem de ser analisada no contexto do amplo confronto entre sunitas e xiitas que afeta o Líbano, o Iraque, a Síria, Bahrein e mesmo a Arábia Saudita, que conta com uma numerosa minoria xiita concentrada em sua província oriental rica em petróleo (qualquer semelhança com Biafra NÃO é mera coincidência).

A tranquilidade que se seguiu aos combates, a ausência de qualquer lançamento de foguetes e a correspondente reciprocidade israelense demonstram que, pelo menos no curto prazo, as decisões foram acertadas, permitindo também alguma flexibilidade aos palestinos em Gaza, que hoje podem arar seus campos mais próximo da cerca que marca a fronteira e pescar em águas mais profundas. Também os controles relativos à entrada de mercadorias foram relaxados, facilitando as obras de reconstrução e o acesso a bens que antes só estavam disponíveis através dos tuneis que ligam a Faixa de Gaza ao Egito. A chave para a manutenção da atmosfera de calma está na capacidade (e vontade) dos egípcios de impedirem o acesso aos elementos hostis na Faixa de Gaza (nem sempre o Hamas) de foguetes de mais longo alcance, aqueles que podem efetivamente alcançar centros populacionais em Israel e não simplesmente explodir nas dunas que cercam a fronteira.

EGITO

Neste episódio, o Egito de Morsi demonstrou que, apesar de suas credenciais islâmicas, prevaleceu o interesse nacional egípcio, ao demonstrar sua importância na capacidade de intermediar entre as partes, garantir um cessar- fogo e a continuidade do apoio norte-americano e voltar a ocupar-se de suas prementes questões internas que lá também já provocam uma Intifada, termo até agora somente utilizado em relação à revolta palestina.

Por trás da atual crise política do Egito está uma disputa feroz entre a Irmandade Muçulmana, outros partidos islâmicos, e uma oposição laica. A Irmandade Muçulmana utilizou-se das eleições para chegar ao poder, não por sua crença nos valores democráticos, mas porque lhe convinha como o grupo mais bem organizado durante a revolução. A oposição laica tem tentado, através dos tribunais, impedir uma tomada de poder, cientes de que não podem ganhar as eleições nem impedir uma reforma constitucional. Assim, os islâmicos venceram as eleições, e estas foram anuladas pelos tribunais; agora o governo do presidente Morsi tenta eliminar o poder dos tribunais através de uma reforma constitucional. O Egito esteve dominado, desde a década de 1950 por uma elite laica, que representava uma minoria da população, assim como a maioria dos países do Oriente Médio; esta minoria foi agora substituída por uma ampla maioria que apóia a Irmandade Muçulmana, uma população mais pobre, mais religiosa e conservadora, disposta a lutar pelos privilégios que nunca estiveram ao seu alcance. A grande pergunta diz respeito ao papel das forças armadas. Após um acordo com a Irmandade Muçulmana, os militares retiraram-se da esfera pública, mantendo a maior parte de seus privilégios. Mas optaram também por concentrar-se em temas de segurança, como a retomada do controle na Península do Sinai onde a polícia tornou-se completamente inoperante e grupos terroristas aliados às tribos beduínas locais passaram a controlar o território. Exemplos contundentes foram as repetidas explosões no gasoduto que transportava gás para Israel e para a Jordânia, e os atentados terroristas e contrabando de armas na região. Quanto menos os militares tiverem que se envolver no comando do país, menor será o risco de uma crise interna que oponha a massa das forças armadas aos oficiais3.

As Eleições em Israel e o Processo de Paz

Benjamin Netanyahu venceu as últimas eleições conforme era esperado, mas os que o acompanharam na vitória representaram uma grande surpresa. Todas as análises apontavam não só para um fortalecimento da direita, mas também para uma radicalização. A grande surpresa foi a eleição, em segundo lugar, de um partido chamado de centro, cujas prioridades, assim como as de todos os partidos nesta eleição, foram as questões internas e sociais que, ainda que com grande probabilidade de participar do próximo governo, provavelmente não determinará os rumos da política externa. O partido vencedor, Likud-Israel Beiteinu, terá de formar uma coalizão que pode ser ampla, se incluir os radicais, os religiosos e o centro, ou limitada se incluir somente os radicais e religiosos, ou somente o centro. Em qualquer configuração, o novo governo sabe que terá que responder de forma limitada ao eleitorado naquilo que se refere aos palestinos: somente 16% do eleitorado dá alguma prioridade ao processo de paz. Nem os palestinos, nem a questão nuclear iraniana figuraram nas campanhas, apesar de o primeiro ministro Netanyahu ter dedicado ao Irã grande parte de suas energias durante o ano passado. Apesar disso, pesquisas de opinião pública tem demonstrado que entre 60% e 70% da população israelense aprova a solução de “dois estados para dois povos”, mas ao mesmo tempo acreditam não haver no momento condições para sua implementação. Não há, portanto, nenhum incentivo para que o novo governo israelense, seja qual for a sua composição, empenhe-se no rompimento do impasse; a não ser que o presidente norte-americano, em seu segundo mandato, decida promover algum amplo projeto, o que também é pouco provável em vista dos fracassos de suas iniciativas dos últimos anos e as prioridades mencionadas em seu recente discurso “State of the Union”. Ao longo do primeiro mandato de Obama houve períodos de congelamento das construções nos assentamentos da Cisjordânia, sem que a liderança palestina tenha retornado à mesa de negociações; o Hamas consolidou seu controle na Faixa de Gaza e Mahmoud Abbas obteve o reconhecimento de um estado palestino observador nas Nações Unidas, ainda que somente para fazer frente à liderança do Hamas. O futuro próximo, portanto, não promete nenhuma grande mudança.

Outro dos considerados vencedores da eleição, e que provavelmente participará do próximo governo, é o partido Habayit Hayehudi (Lar Judaico) liderado por Naftali Bennett, que representa a direita radical, e ao qual poderiam pertencer vários dos membros menos moderados do Likud. Seu objetivo é consolidar a ocupação da Cisjordânia, promovendo os valores pioneiros que alimentaram os criadores dos assentamentos na década de 1980 (Gush Emunim), com slogans do tipo “não são territórios ocupados, já eram nossos há 3.800 anos”; “farei tudo que for possível para evitar a criação de um estado palestino independente, ainda que permita a autonomia dos grandes centros urbanos palestinos”; ou ainda “há algo que muitos ainda não entendem…nunca haverá paz com os palestinos, e nem um estado palestino independente”.

As propostas de Bennett não são novas nem revolucionárias; já na década de 1980, após o impacto da devolução da Península do Sinai aos egípcios, um diplomata israelense formulou uma assim chamada “Estratégia para Israel nos anos 1980”4, que pode ser entendida como a versão mais radical daqueles que propõem a anexação de grande parte da Cisjordânia. Segundo sua formulação, “os palestinos deveriam emigrar para o leste do Jordão, separando as duas nações, pois enquanto Israel não controlar o território entre o Jordão e o mar não haverá nem segurança nem sobrevivência”. Oded Yinon previu há 30 anos o desmembramento em bases étnicas do Líbano, do Iraque e da Síria, assim como distúrbios no Egito que, segundo ele, levariam ao colapso do país. Mas suas soluções baseavam-se em parte na ampliação do Plano Allon de controle do Vale do Jordão e talvez possam ser interpretadas a partir das propostas de Bennett e da consolidação dos assentamentos na Cisjordânia. Segundo Yinon, “a população judaica tem de ser distribuída de forma estratégica, caso contrario deixaremos de existir nas fronteiras atuais. A Galiléia, a Judéia e a Samária são a única garantia para nossa sobrevivência nacional e se não nos tornarmos maioria nas áreas montanhosas, nosso destino será como o dos Cruzados. O país tem de ser re-equilibrado, demográfica, estratégica e economicamente, através do controle da espinha dorsal da Cisjordânia, de Beer Sheva até a Galiléia, uma área que hoje (1980) não abriga população judaica”. A plataforma eleitoral de Bennett, publicada como “A iniciativa de estabilidade israelense”5, propõe sete pontos para a administração (não para a solução) do conflito israelo-palestino na Cisjordânia entre eles:

• a anexação das áreas que não englobam os grandes centros urbanos palestinos (área C dos Acordos de Oslo) onde vivem somente 50.000 palestinos e 350.000 colonos judeus, o que garantiria a segurança dos habitantes da zona costeira;
• extensão da cidadania israelense aos 50.000 palestinos, justificando assim que nem judeus nem palestinos seriam expulsos de seus lares
• Concessão de autonomia às áreas sob controle palestino, e eliminação das barreiras com a criação de contiguidade territorial.
• Proibição da entrada de refugiados palestinos na Cisjordânia. Estes teriam de ser absorvidos nos países onde hoje estão instalados.
• A manutenção da separação entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. O Egito deve responsabilizar-se pelo futuro do território controlado pelo Hamas.
• Investimento maciço na melhoria das condições econômicas da população palestina da Cisjordânia.
• Total controle militar da Cisjordânia por Israel, para evitar a repetição da tomada do sul do Líbano pelo Hizballah e da Faixa de Gaza pelo Hamas após a retirada das tropas israelenses.


Se analisarmos as propostas de atores menos radicais, como o General Eival Gilady, assessor de Sharon responsável pelo plano de retirada unilateral da Faixa de Gaza, e pela segunda fase do plano que nunca foi implementada devido ao derrame que incapacitou o primeiro ministro, encontraremos elementos que, ainda que não aceitem simplesmente o retorno às fronteiras de 1967, estão muito próximos das propostas apresentadas pelo ex-primeiro ministro Ehud Olmert a Mahmoud Abbas; estas se baseiam na retirada israelense da maior parte da Cisjordânia, deixando sob controle dos palestinos a maior parte do território, e do lado israelense da fronteira a maior parte da população judaica6. Considerada como relativamente moderada, esta proposta assume que, como os palestinos não tem condições ou interesse em avançar nas negociações para a assinatura de um acordo definitivo, a única solução viável para evitar o contínuo atrito entre as populações judaica e palestina, e as tropas israelenses na Cisjordânia, está em uma retirada unilateral, que permita a criação de um estado palestino independente em aproximadamente 98% daquele território. A Autoridade Palestina passaria então a ser responsável pela segurança física e econômica da população, ainda que com a desmilitarização do território; e ataques terroristas contra Israel seriam retaliados nos moldes do que ocorria frente à Jordânia e ao Egito durante a década de 1970. Os atuais líderes israelense assumem também que a liderança palestina não está, nem nunca esteve, disposta a reconhecer o estado de Israel como estado judeu, ou como o Lar Nacional do povo judeu. E se não há reconhecimento do direito de Israel de existir como estado judeu, então mesmo uma solução de dois estados poderia ser nada mais que um elemento de transição para um estado bi-nacional, que culminaria na eliminação de Israel como estado-nação do povo judeu.

Segundo Yosef Kuperwasser, diretor-geral do ministério israelense de assuntos estratégicos7, todas as negociações em relação a fronteiras, distribuição de água e outras questões praticas, são irrelevantes, enquanto as lideranças palestinas, tanto o Fatah quanto o Hamas não reconhecerem que refugiados palestinos não tem direito a retornar ao território israelense e que Israel deve ser reconhecido como o estado judeu, e não como “um estado de todos seus habitantes”. Segundo ele, as mesmas exigências já haviam sido apresentadas por Ariel Sharon quando da discussão do “Mapa da Estrada” em 2002. E, enquanto estas condições não forem aceitas, assentamentos continuarão a ser construídos nos territórios que são considerados “em disputa” e não sob ocupação, já que foram tomados da Jordânia em junho de 1967, após sua anexação na década de 1950, sem nunca terem estado sob soberania palestina. Segundo Kuperwasser, se e quando um acordo de paz for assinado com os palestinos, os israelenses já demonstraram quando da retirada do Sinai, com o abandono de Taba e da cidade de Yamit, e de Gush Katif na Faixa de Gaza, que territórios e assentamentos podem ser entregues ou devolvidos.

Em resumo, as relações entre Israel e os palestinos estão em um dos pontos mais baixos de sua história. O governo israelense e a Autoridade Palestina se enfrentam através de instrumentos como a disputa na ONU e o controle dos recursos financeiros necessários para alimentar a burocracia na Cisjordânia, incluídos aí os elementos das forças de segurança. As relações com o Hamas estão determinadas pela violência que culminou no conflito do final de 2012, e hoje mantem-se através de um delicado “equilíbrio de terror” e, segundo vários analistas, somente uma onda de violência poderá provocar alguma mudança no status quo8.

A ameaça iraniana

As análises sobre o Irã no encontro sobre Proliferação Nuclear no Instituto Nacional de Estudos Estratégicos em Tel Aviv apresentaram visões contraditórias sobre a trajetória iraniana. Michael Nacht, que foi sub-secretário de Defesa para Assuntos de Estratégia Global do governo Obama identifica como o maior problema a dificuldade de prever o comportamento dos formuladores da política iraniana. Todos os analistas concordam com o rumo do programa nuclear iraniano: as sanções estão fazendo efeito, penalizando o governo e a população, mas não afetaram a determinação dos ayatollas de manter em andamento o enriquecimento de uranio e sua acumulação, para chegar ao limiar necessário para a produção de uma bomba. O que ocorreu nos últimos meses foi uma diminuição do ritmo, e medidas técnicas como a solidificação de parte do gás, que indica a preocupação com as avaliações do ocidente9. A imprensa tem anunciado com alarde as declarações dos Estados Unidos de sua disposição em relação à abertura de um canal de negociação com o Irã, e a resposta iraniana de que não negociará enquanto as sanções não forem suspensas. Enquanto isso, nos bastidores prepara-se a reunião do Irã com o grupo 5+1, à sombra do envolvimento iraniano na Síria e da possibilidade de uma flexibilização da política nuclear iraniana em troca de garantias ao governo de Assad, seu principal aliado na região. E quando se considera a ameaça islâmica na Síria, pode-se até reconhecer uma identidade de interesses entre o Irã e os EUA, por mais paradoxal que possa soar.

Em Israel o problema é conhecido como o dilema da “bomba ou bombardeio”. Se Israel será obrigada a conviver com as consequências de um Irã com capacidade nuclear, ou bombardeará o Irã para evitar que isso aconteça. As potências ocidentais e Israel concordam com as possíveis consequências de o Irã obter armas nucleares, e com elas tornar-se capaz de expandir sua influencia na região. Elementos periféricos também influenciam o desdobrar dos acontecimentos: as sanções tem um efeito destrutivo sobre os candidatos mais radicais nas eleições que se aproximam no Irã, elevando o temor de uma repetição das manifestações de 2009; os norte-americanos transferiram aviões de bombardeio invisíveis ao radar e porta-aviões para o Golfo Pérsico e aprofundaram as sanções em conjunto com seus aliados europeus, deixando aos iranianos poucas opções além do equivalente a um regime de trocas (barter), o que certamente dificulta sobremaneira qualquer aquisição relacionada ao programa nuclear. O Irã consegue vender hoje somente metade do petróleo que vendia há um ano, enquanto a diferença é fornecida ao mercado pelo Iraque e pela Arábia Saudita. Ao mesmo tempo que aumenta a pressão internacional, é natural que diminua a probabilidade de um ataque israelense, a não ser que totalmente coordenado com os Estados Unidos, como vem sugerindo vários militares e ex-líderes dos serviços israelenses de inteligência10.

Agora, após a re-eleição de Obama e Netanyahu, e do estabelecimento de claros limites à acumulação de uranio enriquecido pelos iranianos, as consequências da recente explosão de uma terceira bomba pelos norte-coreanos será certamente analisada com cuidado pelo Irã. Israel teme que, se surpreendidos pela capacidade iraniana de produzir uma bomba, as potências ocidentais decidam-se por uma politica de contenção, promovendo a ideia de um “equilíbrio de terror” no Oriente Médio. Mas poucos em Israel acreditam que poderão conviver com a combinação de um Egito governado pela Irmandade Muçulmana, o Hamas e o Hizballah de posse de foguetes de longo alcance, uma possível presença radical islâmica no território sírio, e uma Jordânia instável, todos eles protegidos por um guarda-chuva nuclear iraniano.

Em suma, o Oriente Médio vem passando por um período de desestabilização incertezas, e uma guinada radical. Ainda que demandas democráticas tenham promovido mudanças, e os discursos mais radicais tenham sido desprezados como parte da propaganda interna, cabe lembrar que, no momento em que se registra os 80 anos da ascensão dos nazistas ao poder, também no início da década de 1930 os discursos de Hitler foram considerados mera retórica e foram eleições democráticas que o conduziram ao poder.


Notas

1 Entrevista com Prof. Asher Susser, Centro Dayan para o Estudo da África e Oriente Médio, Tel Aviv, 10/1/2013
2 Entrevista com o Prof. Eyal Zisser, Universidade de Tel Aviv, 8/1/2013.
3 Entrevista com Ayellet Yehiav, diretora do Departamento de Pesquisa sobre o Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Jerusalém, 7/2/2013
4 http://cosmos.ucc.ie/cs1064/jabowen/IPSC/articles/article0005345.html – acessado em 12/2/2013 às 17h15
5 http://www.onestateisrael.com/wp-content/uploads/2012/03/The-Israel-Stability-Initiative-Naftali-Bennett.pdf
6 Entrevista com o General Eival Gilady, Acre, 31/1/2013 e com Ehud Olmert, ex- primeiro ministro de Israel, Tel Aviv, 16/1/2013
7 Entrevista com Yossef Kuperwasser, gabinete do primeiro ministro, Jerusalém, 7/2/2013
8 Entrevistas com Avi Issacharof, Itamar Rabinovich e Efraim Inbar, Tel Aviv, Janeiro de 2013
9
 Entrevista com Nissan Amdur, diretor do Departamento de Pesquisa sobre o Irã e Iraque do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Jerusalém, 7/2/2013
10 Entrevista com Emily Landau e Yair Evron, Instituto Nacional de Estudos Estratégicos, Tel Aviv, 10/2/2013